Crianças deficientes impedidas de participar em ATL de Verão.

A mãe de um aluno da Escola Básica Nossa Senhora da Piedade, em Castelo Branco, denunciou à Provedoria de Justiça um «caso gritante de discriminação» do Agrupamento de Escolas Faria de Vasconcelos em relação ao filho, José Maria, de 10 anos, e à colega Juliana, de 8, portadores de deficiência múltipla.

Tudo começou nas férias da Páscoa, pausa lectiva em que, pela primeira vez, aquele agrupamento disponibilizou aos alunos um ATL (ateliê de tempos livres) gratuito, apesar de estar previsto que o mesmo acontecesse também nas interrupções do Natal e do Carnaval.


Na altura, recorda Ana Camilo Martins, foi-lhe dito pela assessora da directora do agrupamento, Maria Augusta, que «a escola não tinha meios para acompanhar o José Maria durante a interrupção – mas que, em próximas actividades, ele seria contemplado» (juntamente as outras 49 crianças com necessidades educativas especiais que frequentam o agrupamento).

Refira-se que no estabelecimento em causa decorre, desde Julho de 2009 e até 2011, o projecto ‘Escola para Todos – Escola com Futuro’, no âmbito do TEIP II (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária II), apoiado pelo Ministério da Educação e co-financiado por fundos comunitários, para promover o sucesso educativo dos alunos integrados em meios particularmente desfavorecidos – como é o caso das crianças da EB Nossa Senhora da Piedade.

Segundo Ana Camilo, a situação de discriminação voltou a repetir-se agora na pausa lectiva de Verão. «O José Maria é uma criança especial, concluiu agora o quarto ano com aproveitamento. Todas as crianças são diferentes e especiais. Estamos a falar de tempos livres, e ele quer estar com os colegas. Sempre foi uma criança sociável» , revolta-se a mãe, uma empregada bancária de 39 anos, acusando o agrupamento de «exclusão social e escolar».

O mesmo sente Cidália Farinha, funcionária fabril de 36 anos: «Inscrevi a Juliana no ATL porque sei que lhe faz bem. Mas foi uma enorme luta, porque não queriam aceitá-la. Tive de lá ir quatro vezes a reuniões», conta.

Depois da denúncia, recorda Ana, foi-lhe indicado pela Provedoria de Justiça, a 24 de Junho, que o José Maria já podia frequentar o ATL, mas, ao contrário da mãe de Juliana, garante que nunca foi contactada pela escola para o efeito. «Não entendo. Recuso-me a que o assunto fique por aqui, sob pena de tantas situações idênticas à do Zé e da sua colega continuarem a acontecer» , considera. Na rede social Facebook , o movimento ‘Contra a Exclusão Social de Crianças Diferentes’ reúne já mais de 1500 membros.

Sem lugar para ‘crianças diferentes’

A polémica remonta a 14 de Junho, quando Ana Camilo e Cidália Martins foram chamadas ao agrupamento, por telefone, para uma reunião com a directora, com o objectivo de encontrar uma solução relativa aos dois casos. «Foi-nos dito que os nossos educandos apenas poderiam frequentar o ATL entre 21 e 30 de Junho por boa vontade, e que aquele se destinava apenas a alunos do escalão A e B e não a estas crianças diferentes», conta a mãe do José Maria.

«Disse à directora do agrupamento que não aceitava essa decisão, que viola os direitos do meu educando, e abandonei a reunião». Graça Ventura disse a Cidália que se não aceitassem essas condições «já não havia ATL para ninguém».

Em declarações ao SOL , a directora da escola, Graça Ventura, refuta as acusações e lembra que o agrupamento tem apenas quatro animadores (afectados à escola no âmbito do TEIP II)disponíveis para as 40 crianças inscritas no ATL. «Nem José Maria, nem nenhuma das outras crianças se sentiram alguma vez rejeitadas, dado que existe uma sala de multideficiência, como de resto, não existe nenhuma outra em Castelo Branco» , acrescenta.

Mas a questão, segundo o que o SOL conseguiu apurar junto de alguns encarregados de educação da escola Nossa Senhora da Piedade, não se resume às salas de aulas: «Não existem funcionários suficientes para vigiar todas as crianças» , critica o pai de um antigo aluno daquela EB.

Pais preocupados

Vítor Santos, presidente da Associação de Pais do agrupamento, disse ao SOL que na última assembleia convocada na escola na sequência do que se passou com José Maria e Juliana, a Câmara de Castelo Branco, responsável pela contratação dos funcionários, terá alegado «falta de verbas» para aumentar os meios.

«Vemos esta situação com bastante apreensão. Há cada vez mais pais a contactar a escola, revoltados e apreensivos com tudo isto», refere o representante, considerando que «o assunto deveria ter sido discutido mais cedo e não depois de terem começado as férias . Só aí se aperceberam de que havia muitas crianças inscritas», questiona.

«Pedimos ajuda à Direcção Regional de Educação do Centro, que sugeriu que usássemos professores e funcionários da Câmara», sublinha, por seu lado, Graça Ventura.

A escola vai assim manter quatro funcionários a trabalhar, encurtando, no entanto, a duração do ATL de um mês e meio (previa-se que terminasse a 30 de Julho) para três semanas. Isto porque, segundo explica, houve menos de 40 crianças inscritas a partir de 15 de Julho. «Três semanas já é uma grande ajuda aos pais», considera a responsável. O ATL da escola funcionará apenas até 9 de Julho.

Ana Camilo garante não desistir da sua causa e levou o caso à Presidência da República, ao gabinete do primeiro-ministro e à Comissão Europeia.

sonia.balasteiro@sol.pt